Direito de Família na Mídia
Uniões Homoafetivas: A Busca pelo Reconhecimento Social e Jurídico
13/09/2005 Fonte: A autora
UNIÕES HOMOAFETIVAS: A Busca pelo Reconhecimento Social e Jurídico.
Data: 22/08/2005.
Autor (a): Laila Menezes *
ÍNDICE:
1. O Aspecto Social.
2. O Aspecto Jurídico.
2.1. A Adoção por Casal Homoafetivo.
2.2. A Jurisprudência dos Tribunais.
2.3. A Importância do Contrato de Convivência.
3. Conclusão.
Bibliografia.
Sites Consultados.
1 – O ASPECTO SOCIAL:
A união homoafetiva é um fato incontestável e inexorável em nossa sociedade. Querer fingir a sua inexistência é no mínimo um enorme sinal da mais pura hipocrisia. Nossa sociedade já evoluiu em muitos aspectos, mas quando o tema a ser abordado é a opção sexual, ela mascara a situação, num ato por total homofóbico (aversão aos homossexuais ou ao homossexualismo) e trata de forma totalmente preconceituosa aqueles que decidem ter uma opção sexual diferente dos padrões da grande maioria.
Grande tem sido a luta dos homossexuais, ditos como a minoria em nossa sociedade, que se engajam em ongs e outros grupos numa tentativa de reverter tão triste quadro social. Alvos de perseguições, brincadeiras de mau gosto e discriminações, são vítimas de uma sociedade, do qual fazem parte, mas que infelizmente prefere agir com preconceito a tratar de forma igualitária os diferentes.
A família é a célula da sociedade. Basta analisarmos a forma como ela é constituída, para percebermos o quanto o preconceito perde o sentido, numa demonstração de enorme equívoco social. Uma família não se forma com a assinatura de um papel perante um juiz de paz ou com a celebração de uma cerimônia religiosa ou ainda com a realização de uma grande festa social. Uma família surge de um lindo sentimento chamado afeto. O afeto é que norteia qualquer relação entre pessoas que se unem e somado a muitos outros atributos como o respeito, a fidelidade e assistência recíproca é que irá fazer surgir a família. Então, não é apenas a união entre um homem e uma mulher casados que terá a faculdade de gerar uma família. A família é a realização plena do amor, podendo ser constituída pelo casamento, pela união estável, pelas famílias monoparentais (um pai ou mãe e um filho) e também pelas uniões homoafetivas.
Seria de grande e profunda injustiça não reconhecer a união entre dois homens ou duas mulheres que por amor se unem e vivem com todos os atributos de um casal dito como normal. Acima de tudo, estas pessoas são seres humanos e a opção sexual delas não as torna menos honestas ou piores que os demais. Mas mais que isso, são cidadãos dignos, que trabalham, cumprem com seus deveres cívicos, pagam seus impostos, satisfazem suas obrigações e merecem todo o respeito por parte da sociedade em geral.
Urge a necessidade de uma revisão destes conceitos que norteiam a nossa sociedade. Conceitos estes, ainda tão arcaicos e eivados de vícios, de hipocrisias e de discriminações. Uma sociedade só é justa se ela for livre. A base social é a liberdade e o respeito e as suas inexistências fazem nascer a tirania e uma série de injustiças, que devem ser combatidas veementemente. Nossa sociedade tem que ser balizada nos princípios éticos da igualdade, da fraternidade e dignidade da pessoa humana.
Tanto é dado a nossa sociedade e tudo o que os homossexuais buscam é a liberdade para fazerem sua opção sexual e o respeito e garantia aos seus direitos.
Basta de preconceitos! Está mais do que na hora de nossa sociedade mudar!
2 - O ASPECTO JURÍDICO:
Hodiernamente, surgiu o Direito Homoafetivo, neologismo criado pela ilustríssima Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Dra. Maria Berenice Dias. Trata-se de um novíssimo ramo do Direito que se debruça aos estudos dos direitos dos homossexuais, classe tão discriminada e desprotegida por parte da legislação pátria.
Tudo começou no Rio Grande do Sul, Estado sempre vanguardista no Direito, passando a surgir inúmeras teses jurídicas, vindo a se espalhar por todo o Brasil, numa crescente corrente doutrinária por parte de nossos juristas e doutrinadores.
O Direito Homoafetivo busca, precipuamente, o reconhecimento jurídico das relações homoafetivas e, por conseguinte todas as conseqüências jurídicas deste fato social.
Diversos são os aspectos abordados, como os direitos provenientes destas relações, a sua constitucionalidade, a busca da sua inserção em matéria de Direito de Família, com reconhecimentos sucessórios e alimentares e tantos outros aspectos relevantes como, por exemplo, a possibilidade jurídica da adoção por casais homoafetivos.
2.1 - A ADOÇÃO POR CASAL HOMOAFETIVO:
Quanto à abordagem de tema tão delicado, cabe breves considerações com posicionamento a respeito desta temática.
A adoção é, na sua essência, um ato de amor.
Os pais homossexuais se deparam com inúmeros problemas, como a homofobia e a ausência de igualdade de direitos perante a lei, além das preocupações legais, financeiras e emocionais que um processo de adoção acarreta.
Todavia, no Estado do Rio de Janeiro, tal questão tem sido tratada com toda isenção e respeito que o caso merece, sempre buscando o melhor para a criança e o adolescente.
Em 1997, O Desembargador Siro Darlan, à época Juiz da 1ª Vara de Infância e Juventude do Rio de Janeiro, foi pioneiro ao deferir a primeira adoção para homossexual em nosso Estado, entendendo que não pode haver preconceito no momento de garantir a uma criança abandonada o direito a uma segunda família.
Em 1998, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu no Processo 1998.001.14332 que “a afirmação de homossexualidade do adotante, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado”.
Assim, observamos um grande avanço nas decisões de nossa Justiça, que tem na 1ª Vara de Infância e Juventude do Rio de Janeiro, uma referência nacional ao caso.
Cabe esclarecer que, por determinação da lei, uma criança só pode ser adotada por entidade familiar, isto é, a comunidade advinda da união entre homem e mulher por meio de casamento ou de união estável. O Novo Código Civil é expresso no art. 1.622 ao aduzir que ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher ou se viverem em união estável.
Assim, a lei não reconhece o casal homossexual como entidade familiar, haja vista não reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Portanto, em tese, a adoção só poderá ser concedida a um dos companheiros e não aos dois concomitantemente.
A concessão da adoção ao homossexual já é pacífica, o grande impasse está em ser permitida para casais homossexuais. Aqui, me parece haver uma grande incoerência de nossa legislação, já que no papel constará apenas o nome de um adotante, mas na prática o adotado será criado por duas pessoas. Isto gera vários prejuízos para o próprio adotado, pois a criança só entrará na linha sucessória daquele que a adotou oficialmente, só podendo buscar eventuais direitos, alimentos e benefícios previdenciários com relação ao adotante, não podendo pleitear pensão alimentícia, nem visitação do outro, no caso de separação do casal.
Entendo que uma união homossexual masculina ou feminina, com um lar respeitável e duradouro, alicerçada na lealdade, fidelidade, assistência recíproca, respeito mútuo, com comunhão de vida e de interesses está mais do que apta a oferecer um ambiente familiar adequado à educação da criança ou do adolescente.
A concessão da adoção a homossexuais ajuda a minimizar o drama de menores, que podem ser educados com toda a assistência material, moral e intelectual, recebendo amor, para no futuro se tornarem adultos dignos, evitando serem relegadas ao abandono e à marginalidade. Além disso, os homossexuais, exatamente por sofrerem com a discriminação, não escolhem o adotado por suas características físicas, mas sim pela relação de afeto desenvolvida, contrariando a corriqueira escolha de apenas meninas brancas, loiras, de olhos azuis, com até 3 meses de vida.
Numa decisão recente, há apenas alguns meses, em consonância a este entendimento, foi concedida a habilitação de adoção de uma menina a um casal homossexual masculino de cabeleireiros. Tal decisão foi proferida pelo Dr. Júlio César Spoladore Domingos, Juiz da Vara de Infância e Juventude de Catanduva, São Paulo, que determinou a habilitação de adoção em pedido feito pelos dois em 28 de Dezembro de 2004. O Promotor de Justiça de Catanduva, Dr. Antônio Bandeira Neto se manifestou a favor da adoção, sustentando que a decisão da Justiça foi baseada na Resolução nº.01/99 do Conselho Federal de Psicologia, segundo a qual "a homossexualidade não constitui doença, distúrbio nem perversão" e, por isso, não pode impedir a adoção.
Esta acertada decisão de nossa justiça vem corroborar o posicionamento de que toda pessoa é livre para fazer a sua opção sexual, o que não significa que ao contrariar a opção da maioria, estaria se tornando incapaz de dar todo o carinho, amor e um lar para uma criança.
A condição da homossexualidade é fato que não deve ser omitido perante o Juizado de Infância e Juventude, já que certamente será averiguado pela equipe interprofissional, composta de assistentes sociais e psicólogos, que farão rigoroso estudo sócio-psicológico do caso, dando uma análise detalhada do comportamento do adotante ou adotantes homossexuais. Embora a decisão seja do Juiz, estes pareceres técnicos são decisivos, pois é neles que o Magistrado e o Promotor de Justiça se baseiam para avaliar o caso. A orientação sexual do adotante não passa despercebida, mas o grande enfoque é o fato dele ter uma estrutura emocional adequada, revelando uma forma sadia de lidar com sua orientação sexual. O foco é a relação de afeto que poderá ser proporcionada à criança, ou seja, o seu bem-estar.
O único fato que poderia ensejar no indeferimento da adoção seria o comportamento desajustado do homossexual, mas jamais a sua opção sexual, ou seja, a sua homossexualidade.
A condição financeira definida é um fator que pode vir a influenciar a concessão da adoção. Todavia, mais do que se ter condição financeira é de extrema importância, a segurança financeira, com uma profissão remunerada para propiciar ao adotado a garantia de que suas necessidades básicas poderão ser supridas. Mas, não é só o aspecto financeiro que é relevante, o equilíbrio emocional da relação também é de suma importância. Todos os aspectos da vida e do lar do adotante serão considerados, para que o menor possa ter os seus direitos e interesses resguardados.
Há aqueles que rebatem veementemente a adoção por homossexual, sustentando teses como: “A ausência de uma figura masculina e uma feminina bem definidas tornaria confusa a identidade sexual da criança, correndo o risco do menor vir a tornar-se homossexual.” ou “Grandes são as possibilidades da criança ser alvo de repúdio na escola ou vítima de escárnio por parte dos colegas e vizinhos, o que poderia acarretar graves perturbações de ordem psíquica.”
Sustento serem totalmente infundados tais argumentos. Inúmeros são os casos de famílias heterossexuais, ditas como “normais”, que têm filhos que desde pequenos dão indícios de uma homossexualidade latente e têm dentro de seus lares a figura tanto do homem como da mulher muito bem definidas. Além do mais, o repudio social destas crianças é uma questão de discriminação. A Carta Magna veda qualquer tipo de discriminação, não sendo aceitas, nem permitidas tais atitudes no nosso meio social. Da mesma forma que filhos de negros, de índios e de pais divorciados, os filhos de pais homossexuais estão sujeitos aos dissabores do preconceito, cabendo a nossa própria sociedade repudiar tal atitude, revendo os seus conceitos, na busca de uma sociedade mais justa, digna e igualitária.
O Direito deve sempre acompanhar a Sociedade, regulando as relações jurídicas dela decorrentes. A união homossexual é um fato irrefutável em nossa sociedade e em assim sendo, não mais é possível tal omissão em nosso ordenamento jurídico.
Essencial é a luta contra a estagnação de certos tabus e conceitos repletos de conservadorismo, ou seja, grande deve ser o empenho de todos, principalmente por parte dos Operadores do Direito, contra esta postura preconceituosa e discriminatória.
Não se trata de um simples levante da bandeira colorida dos gays, mas sim de se buscar o reconhecimento e respeito a todos os direitos constitucionais do cidadão, cumpridor de seus deveres e obrigações, independentemente de sua opção sexual. Afinal, todos, sem exceção, têm que estar sob o manto protetivo da justiça.
Primordial é o reconhecimento das relações homoafetivas, com defesa de direitos à meação, à herança, ao usufruto, à habitação, a alimentos, a benefícios previdenciários, entre tantos outros.
Neste sentido, o Direito Homoafetivo vem numa crescente e pioneira missão, através da jurisprudência, reconhecendo e regulando tais relações. A justiça deve pautar na coragem e total independência, sua atuação no que tange às uniões homoafetivas.
Os mesmos direitos deferidos às relações heterossexuais devem ser garantidos às relações homossexuais, se for verificada a presença dos requisitos de vida em comum, coabitação, constituição de patrimônio a dois, laços afetivos, fidelidade e divisão de despesas.
2.2 - JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS:
A jurisprudência tem avançado de forma surpreendentemente positiva às uniões homoafetivas. São inúmeras as decisões de nossos juízes, reconhecendo-as e garantindo os direitos aos companheiros.
Cabe aqui colacionar alguns julgados para ilustrar o tema, senão vejamos:
“EMENTA: SOCIEDADE DE FATO. UNIÃO ENTRE HOMOSSEXUAIS. NULIDADE DA SENTENÇA. COMPETÊNCIA DAS VARAS DE FAMÍLIA. Segundo orientação jurisprudencial dominante nesta corte, as questões que envolvem uniões homossexuais devem ser julgadas nas Varas de Família, razão pela qual, deve ser desconstituída a sentença. É que a competência em razão da matéria é absoluta e a sentença prolatada por juiz incompetente é nula. Sentença desconstituída.” (TJRS - APELAÇÃO CÍVEL Nº.70010649440, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, RELATOR: SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES, JULGADO EM 30/03/2005) (Grifos Nossos).
“EMENTA: Conflito negativo de competência – Dissolução de sociedade estável homoafetiva cumulada com partilha de bens, responsabilidade de guarda e direito de visita a menor – Feito distribuído ao Juízo da Segunda Vara de Família – Declinação de competência para uma das Varas Cíveis não especializadas, entendendo a M.M. Juíza ser a união homossexual equiparada a uma sociedade civil de fato – Conflito suscitado pela M.M. Juíza da 4ª Vara Cível não especializada, por entender que a união homossexual equipara-se a uma comunidade familiar – Conhecimento do conflito – Art. 226, §§ 3º e 4º da Constituição Federal e Lei nº.9.278⁄96.
Nos termos do art. 226 da Constituição Federal, somente a união estável entre o homem e a mulher e a comunidade integrada por qualquer dos pais e seus descendentes podem ser entendidas como entidade familiar, excepcionando a regra de que a família se inicia com o casamento.
Não é possível interpretar-se ampliativamente as exceções expressamente previstas na lei.”
(TJRN – CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA Nº. 02.001241-1, da Comarca de Natal. Rel. DESEMBARGADOR CAIO ALENCAR – Julgado em 21/08/2002, a unanimidade) (Grifos nossos).
“COMPETÊNCIA. DISSOLUÇÃO. SOCIEDADE HOMO-AFETIVA. A homologação do termo de dissolução da sociedade estável e afetiva entre pessoas do mesmo sexo cumulada com partilha de bens e guarda, responsabilidade e direito de visita a menor deve ser processada na vara cível não especializada, ou seja, não tem competência para processar a referida homologação a vara de família. No caso, a homologação guarda aspectos econômicos, pois versa sobre a partilha do patrimônio comum. No termo do acordo, a criança ficará sob a responsabilidade econômica, posse e guarda da pessoa que a registrou como seu filho. Assim, não há questão verdadeiramente familiar. Precedente citado: REsp 148.897-MG, DJ 6/4/1998. STJ - REsp 502.995-RN, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 26/4/2005. (Grifos nossos).
“EMENTA: RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. Mantém-se o reconhecimento proferido na sentença da união estável entre as partes, homossexuais, se extrai da prova contida nos autos, forma cristalina, que entre as litigantes existiu por quase dez anos forte relação de afeto com sentimentos e envolvimentos emocionais, numa convivência more uxória, pública e notória, com comunhão de vida e mútua assistência econômica, sendo a partilha dos bens mera conseqüência. Exclui-se da partilha, contudo, os valores provenientes do FGTS da ré utilizados para a compra do imóvel, vez que "frutos civis", e, portanto, incomunicáveis. Precedentes. Preliminar de não conhecimento do apelo rejeitada. Apelação parcialmente provida, por maioria. (Segredo de Justiça)”.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº. 70007243140, OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: JOSÉ ATAÍDES SIQUEIRA TRINDADE, JULGADO EM 06/11/2003).
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a matéria, conforme se depreende do julgado abaixo, vejamos:
SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. PARTILHA DO BEM COMUM. O PARCEIRO TEM O DIREITO DE RECEBER A METADE DO PATRIMONIO ADQUIRIDO PELO ESFORÇO COMUM, RECONHECIDA A EXISTENCIA DE SOCIEDADE DE FATO COM OS REQUISITOS NO ART. 1363 DO C. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ASSISTENCIA AO DOENTE COM AIDS. IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO DE RECEBER DO PAI DO PARCEIRO QUE MORREU COM AIDS A INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL DE TER SUPORTADO SOZINHO OS ENCARGOS QUE RESULTARAM DA DOENÇA. DANO QUE RESULTOU DA OPÇÃO DE VIDA ASSUMIDA PELO AUTOR E NÃO DA OMISSÃO DO PARENTE, FALTANDO O NEXO DE CAUSALIDADE. ART. 159 DO C. CIVIL. AÇÃO POSSESSORIA JULGADA IMPROCEDENTE. DEMAIS QUESTÕES PREJUDICADAS. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO.”
(STJ, RESP 148897 / MG; RECURSO ESPECIAL 1997/0066124-5 – Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR – Quarta turma. DJ 06.04.1998 p. 132).
Nossos Tribunais Superiores têm dado decisões definitivas para os diversos conflitos provenientes das relações homoafetivas familiares, reconhecendo os valores jurídicos e éticos das convivências entre pessoas do mesmo sexo. Até temas polêmicos como a mudança do nome masculino para um nome feminino no caso de transexualismo foi recentemente decidida, evitando-se o grande constrangimento de se ter a aparência física feminina e um nome masculino nos documentos do transexual.
Os nossos Magistrados têm fundamentado suas decisões com base na analogia e nos Princípios Gerais do Direito, além da jurisprudência já firmada, pois nossa legislação ainda é por completa omissa quanto às questões homoafetivas.
Recentemente, foi promulgado o novo Código Civil Brasileiro, mas nenhuma menção foi feita à matéria homoafetiva. Nossos legisladores perderam uma contundente oportunidade de regular o assunto de forma definitiva e pacífica.
Não obstante algumas leis estaduais esparsas, tudo o que há é o Projeto de Lei nº. 1151/95, da então Deputada Marta Suplicy, cujo substitutivo aprovado alterou o nome de união civil para parceria civil registrada, evitando a possibilidade, tão criticada, de ser confundida com casamento gay. Tal projeto está a 10 anos no Congresso Nacional, sem qualquer interesse em ser colocado em pauta para análise e posterior promulgação. Grande tem sido a entrave das bancadas político-religiosas, tanto católica como evangélica no Congresso Nacional, que fazem campanha aberta contra os homossexuais, num ato por total homofóbico e repulsivo. Trata-se da constatação de um triste fato político, mas que retrata a enorme hipocrisia social em que vivemos. Estes mesmos Parlamentares, contrários à causa homoafetiva, se esquecem que homossexual também é cidadão no gozo de seus direitos políticos e cívicos, ou seja, é eleitor.
No Regulamento Jurídico Pátrio existente, o que há favorável à causa homoafetiva é uma Resolução do INSS, que em matéria previdenciária, reconhece as uniões homoafetivas, desde que comprovadas, garantindo, desta forma, pensão ao companheiro sobrevivente.
Mister se faz a colação de jurisprudência no que se refere a temática em comento:
“ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE. SERVIDOR PÚBLICO. COMPANHEIRA HOMOSSEXUAL. LEI 8.112/90. INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS-DC Nº.25. (...) 7 - COMPROVADA A UNIÃO ESTÁVEL DA AUTORA COM A SEGURADA FALECIDA, BEM COMO SUA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA EM RELAÇÃO À MESMA, E TENDO-SE POR SUPERADA A QUESTÃO RELATIVA À AUSÊNCIA DE DESIGNAÇÃO, FORÇOSO É SE RECONHECER EM FAVOR DELA O DIREITO À OBTENÇÃO DA PENSÃO PLEITEADA. PRECEDENTES. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS.”
(TRF- 5ª Região, AGTR - Agravo de Instrumento 2003.05.00.029875-2 / Órgão Julgador: Terceira Turma. Rel. GERALDO APOLIANO. Julgado em 11/03/2004 à unanimidade).
“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE AO COMPANHEIRO HOMOSSEXUAL.
1. A sociedade, hoje, não aceita mais a discriminação aos homossexuais.
2. O Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo a união de pessoas do mesmo sexo para efeitos sucessórios. Logo, não há por que não se estender essa união para efeito previdenciário.
3. "O direito é, em verdade, um produto social de assimilação e desassimilação psíquica ...” (Pontes de Miranda).
4. "O direito, por assim dizer, tem dupla vida: uma popular, outra técnica: como as palavras da língua vulgar têm um certo estágio antes de entrarem no dicionário da Academia, as regras de direito espontâneo devem fazer-se aceitar pelo costume antes de terem acesso nos Códigos" (Jean Cruet).
5. O direito é fruto da sociedade, não a cria nem a domina, apenas a exprime e modela.
6. O juiz não deve abafar a revolta dos fatos contra a lei.”
(TRF- 1ª Região - AG 2003.01.00.000697-0/MG; AGRAVO DE INSTRUMENTO –Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO Órgão Julgador: segunda Turma. Julgado em 29/04/2003, por maioria de votos).
“ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. COMPETÊNCIA. PENSÃO. UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. VIABILIDADE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE HUMANA. ARTIGO 217, INCISO I, ALÍNEA "C", DA LEI Nº. 8.112/90. RAZOABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Rejeita a preliminar de impossibilidade jurídica, pois ela se confunde com o mérito.
2. Também não merece guarida a preliminar de incompetência do juízo pela inadequação da via processual eleita, visto que não é caso de mandado de injunção, uma vez que não é esta a pretensão do autor, mas sim, que a ele seja aplicada a legislação positiva existente.
3. A solução da controvérsia se dá pelo respeito aos princípios fundamentais da igualdade e da dignidade humana.
4. A interpretação gramatical, ainda que possua certa relevância, deve ceder lugar, quando a interpretação sistemática se mostra mais adequada. (...)
(TRF 4a Região, AC - APELAÇÃO CIVEL - 528866
Processo: 200071000382740 UF: RS, Rel. MARGA INGE BARTH TESSLER, Terceira turma - julgado em 22/04/2003 - unânime).
Há também uma Resolução Administrativa que permite a concessão de visto permanente ao companheiro homossexual estrangeiro, que queira fixar residência no Brasil, desde que comprovado uma série de requisitos determinados nesta resolução.
2.3 – A IMPORTÂNCIA DO CONTRATO DE CONVIVÊNCIA:
Grande é a importância da elaboração do Contrato de Convivência nas relações homoafetivas. A não preocupação com este tema leva a sérios problemas futuros, deixando os companheiros totalmente desprotegidos juridicamente.
Apenas para ilustrar um problema comum:
Muitas vezes o casal é repudiado e discriminado por sua própria família, que procura não manter qualquer vínculo com o casal. Mas estes mesmos familiares são os primeiros a buscar seus direitos na justiça, no caso de falecimento de um dos conviventes. E aquele que sobreviveu, no auge da dor da perda do ente querido, num convívio de 15, 20 anos, percebe que nenhum direito tem, podendo até mesmo perder o imóvel que morava com seu companheiro. Ele não é herdeiro e por não ter feito o Contrato de Convivência, passa a ter sérias dificuldades em provar a união e os direitos sobre os bens adquiridos na constância da mesma.
Isto é algo totalmente injusto e repulsivo! Daí, frisar a enorme importância do Contrato de Convivência nas relações homoafetivas. Como ainda não há lei que regule as relações de pessoas do mesmo sexo, esta é a forma mais segura de comprovar a existência da união e a garantia de todos os direitos advindos dela.
Neste contrato, devidamente registrado no Cartório competente, todos os deveres e direitos do casal serão estipulados. Nele constará:
• O início da convivência;
• O patrimônio de cada um;
• A existência de herdeiros;
• A existência ou não de dependência entre os conviventes;
• A quem caberá a administração do lar;
• A divisão dos bens ou incomunicabilidade dos mesmos em caso de separação;
• Alimentos e indenização em caso de separação e abandono do lar;
• E muitos outros direitos.
Muito importante é a nomenclatura deste contrato. Ao contrário de sociedade de fato, entendo ser Contrato de Convivência, a melhor denominação, pois as sociedades de fato são processadas em varas cíveis, já os contratos de convivência são tratados em varas de família.
Ao contrário do Rio Grande do Sul, o Estado do Rio de Janeiro, ainda está se posicionando sobre as questões homoafetivas. Neste Estado, as uniões homoafetivas ainda são reconhecidas como meras sociedades de fato e processadas e julgadas em varas cíveis. Poucas têm sido as ações tratando desta matéria, mas enorme tem sido o apelo por parte dos homossexuais. Mas com o grande e salutar avanço jurisprudencial, num futuro próximo, elas deverão ser tratadas nas varas de família, como já ocorre no Rio Grande do Sul.
A preocupação com a diferenciação de processamento nestas varas tem uma importante justificativa. Um casal ao se unir tem por objetivo primordial o AFETO. O patrimônio vem em segundo plano. Assim, numa sociedade de fato só é discutido o patrimônio e na vara cível será decidida a partilha do mesmo. Ora, um casal homossexual que se separa tem muito mais questões a serem decididas do que somente a partilha dos bens. Desta forma, como esta relação se baseia no AFETO, entendo que esta relação será muito melhor compreendida e regulada numa vara de família competente. A matéria sendo tratada na seara do Direito de Família garante muito mais direitos, como por exemplo: alimentos e direitos sucessórios.
Como pode ser observado nas decisões dos Tribunais, a nossa Justiça anda a passos largos à frente de nossa Sociedade, o que já é um grande avanço a ser comemorado.
3 - CONCLUSÃO:
Uma sociedade que rotula os indivíduos pela sexualidade e não por sua essência interior e valores íntimos, só pode espelhar uma profunda ferida social. E enquanto os valores não forem revistos e a sociedade se auto-analisar sem máscaras e preconceitos, esta ferida permanecerá aberta e indivíduos sofrerão uma mutilação em seus direitos mais essenciais e primários, ficando sempre à margem social.
É necessário o avanço social e de uma vez por todas a cicatrização destas feridas. Uma sociedade digna e justa não pode ser utopia, deve ser uma realidade perfeitamente alcançável por todos nós.
Ao contrário do que muitos pensam, não é a Sociedade que segue o Direito e sim o Direito que segue a Sociedade. O Direito apenas regula os fatos existentes na Sociedade. A partir do momento, que estes fatos geram conflitos, é chegado o momento do Direito entrar em ação e compor tais conflitos, realizando a tão desejada Justiça, onde é dado a cada um, o que lhe é de direito.
E como a união homoafetiva é fato em nossa sociedade. Conflitos de interesses têm nascido destas uniões, só restando bater-se às portas do Judiciário, na esperança de reconhecimento e pacificação dos conflitos. E o Judiciário, ao contrário do Legislativo, tem brilhantemente cumprido seu papel, o que já é um grande alento.
Não se trata de qualquer benesse ou levante da bandeira colorida dos gays, mas uma questão da mais profunda justiça, que deve reconhecer estas relações de afeto e todos os seus direitos e suas conseqüências jurídicas.
Tudo o que se espera é o reconhecimento tanto social como jurídico das uniões homoafetivas, por ser ato da mais inteira, límpida e sublime justiça.
(*) Advogada do Rio de Janeiro Especializada em Direito Homoafetivo.
E-mail: menezes.adv@oi.com.br / Site: www.menezesjuridico.com.br
(21) 8801- 5217.
BIBLIOGRAFIA:
BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Parcerias homossexuais: aspectos jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
DIAS, Maria Berenice; Pereira, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de Família e o Novo Código Civil: Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.
DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade: O que diz a Justiça!, 1ª Edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Temas atuais de Direito e Processo de Família. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.
RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual: a homossexualidade no direito brasileiro e norte-americano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
Vade Mecum Acadêmico-forense. São Paulo: Vértice, 2005.
SITES CONSULTADOS:
Conselho da Justiça Federal: http://www.cjf.gov.br
Menezes Jurídico: http://www.menezesjuridico.com.br
Superior Tribunal de Justiça: http://www.stj.gov.br
Supremo Tribunal Federal: http://www.stf.gov.br
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: http://www.tj.rj.gov.br
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte: http://www.tjrn.gov.br
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: http://www.tj.rs.gov.br